Recentemente, e em conseqüência de diversos acontecimentos relacionados com vigilantes e assaltos a viaturas de transporte de valores, apareceram diversas opiniões e até propostas de equipar os vigilantes, pelo menos os que atuam no transporte de valores, com armas de fogo.
Humildemente, afirmaria que, para a generalidade dos vigilantes, nem vale a pena perder tempo a pensar nesta proposta, principalmente pelo aumento de risco para eles próprios e para a população em geral, e só quem não tem conhecimento da realidade do sector, quanto à quantidade e qualidade na seleção de admissão e formação ministrada, bem como ao controlo da atividade dos mesmos, é que poderá encontrar soluções para os problemas de criminalidade armando de armas de fogo os cerca de trinta mil vigilantes, com cartão profissional, que trabalham em Portugal.
Se nos restringirmos aos vigilantes de Transporte de Valores, já considero passível de análise e discussão, e por isso vou tentar aqui defender a minha opinião sobre o mesmo.
Embora o Ministério da tutela tenha recentemente criado nova legislação sobre esta atividade, exigindo o acréscimo da proteção das viaturas, obrigando a mais formação para os vigilantes deste serviço e definindo como mínimo a tripulação de três elementos, prática que no início da atividade era corrente, e que, posteriormente, somente por questões comerciais e importando práticas dos nossos vizinhos, foram alterados, os fatores de risco nestas operações não foram alterados. Então, onde existe maior risco numa operação de transporte de valores?
Ao contrário de outros países, em que viaturas blindadas são atacadas à bazucada, em Portugal, o ataque, na grande maioria dos casos, não tem sido às viaturas, e embora as notícias que aparecem na comunicação social sempre refiram o assalto a uma viatura, na realidade, o que tem acontecido é o ataque ao vigilante ou vigilante que se encontram no exterior da viatura.
Atualmente, a maioria das viaturas da especialidade a operar no país encontra-se equipada com meios de proteção à viatura e seu interior, meios esses que a criminalidade portuguesa ainda não teve a coragem de atacar diretamente, o que também não seria nada fácil. A tecnologia utilizada nestas viaturas é extremamente desenvolvida, englobando GPS, sistemas de bloqueamento da viatura, emissões de alarmes de vários modos, sistemas automáticos de travamento de portas, etc., etc. Assim, os vigilantes que se encontram no interior das mesmas estão devidamente protegidos e só será ameaçado na sua integridade física se cometerem um erro. Daí que o aumento de risco na operação é no transporte exterior à viatura, em que o vigilante transporta um ou mais sacos com valores no seu interior.
Também para esta operação existem normas de proteção como, por exemplo, a quantidade máxima de valor a transportar em cada saco ou mala. A tecnologia de equipamentos de dissuasão do roubo dos referidos sacos ou malas tem evoluído substancialmente, podendo os mesmos estar equipados com sistemas de alarme acionados pelo vigilante, com sistema de pintura das notas, com sistemas de sonoro e, até, com a possibilidade de darem choques elétricos ou mesmo de localização por GPS.
É evidente que depende de cada empresa que presta serviços nesta área de atividade a quantidade e qualidade dos equipamentos que integram as suas viaturas e que servem de apoio ao vigilante. Mas, voltando ao assunto fulcral, então, para resolvermos o problema dos assaltos ao Transporte de Valores, vamos formar e equipar os vigilantes com armas de fogo.
Embora considerando que uma vida é uma perda muito alta, se analisarmos a quantidade de vigilantes mortos ou feridos nestes assaltos, com a quantidade de vigilantes envolvidos neste serviço, a quantidade de serviços e horas em que os mesmos se encontram a trabalhar, com certeza afirmaremos que, no nosso país, esse rádio é substancialmente baixo. Além disso, a arma vai servir para quê? Para proteger o dinheiro ou para proteger o vigilante? Se a sua finalidade é a primeira, então para quê os seguros que cobrem estes serviços e que indenizarão o lesado no valor roubado, caso as normas de procedimentos tenham sido cumpridas? Além disso, para quê investir em melhores viaturas e equipamentos, se o valor transportado será defendido a tiro?
Se for como objetivo a segunda hipótese, então, mais complicado fica, pois sabemos que violência gera violência e, se hoje, a maioria dos casos de assalto não resulta em feridos ou mortos, imaginem só com o vigilante com uma arma à cintura. Na minha óptica passa a ser um alvo: os profissionais do crime de certeza que não desistirão de atacar o transporte de valores, aumentarão de certeza a violência e, antes de tentarem roubar o dinheiro, passarão a atacar “a tiro” os vigilantes.
Tenho a convicção de que, se esta medida avançar, irá, na generalidade, deparar-nos com muitos mais vigilantes feridos e mortos neste tipo de atividade. “Visto por outro ângulo”, porque é que as empresas do sector não investem mais em equipamentos tecnológicos para a dissuasão do assalto?
Ainda há pouco tempo pudemos ver na televisão uma reportagem sobre uma mala de transporte de valores utilizando alta tecnologia que funciona, de certeza, na dissuasão do assalto. Custa muito dinheiro? Será despesa ou será investimento? Não será melhor do que envolver armas em áreas públicas? Porque é que as empresas do sector não investem mais na formação e em procedimentos de atuação, com o objetivo de proteger mais os vigilantes envolvidos? Quem não tem visto um vigilante sozinho a meter dinheiro numa caixa de multibanco, muitas das vezes de costas para o público que circula na área, ou que, mesmo, se encontra à espera para utilizar a referida máquina? Ou mesmo, um só vigilante a sair de um supermercado com um saco de valores (ou talvez dois), a atravessar o passeio, no meio da multidão, até chegar à viatura? E quantas vezes esta operação é realizada rotineiramente, nos mesmos dias da semana e à mesma hora? Utilizar dois vigilantes externos à viatura (agora obrigatório com a nova legislação) encarece o serviço. È verdade, mas o mercado tem de funcionar e a diferença dos melhores para os piores tem de existir e será o cliente a fazer a opção da qualidade. Além disso, deverá ser bem claro aquilo que a atual legislação da segurança privada define como objetivo deste sector: “o transporte, a guarda, o tratamento e a distribuição de valores”. Não vemos aqui qualquer referência ao combate à criminalidade nesta atividade, e muito menos ao objetivo de apanhar os criminosos. Quantas vezes temos conhecimento de vigilantes que perante o assalto se recusam a entregar o saco de valores ou tentam atacar o assaltante…
Daí que, no período de formação, seja fundamental clarificar muito bem a missão e os procedimentos dos vigilantes, conforme as operações, e explicar o significado da função de vigilante e não de segurança. Realizando estas alterações, será necessário os vigilantes andarem armados na generalidade? Compreendia, sim, a pretensão de que o artigo 14º do Dec. Lei 35/2004, onde se define que o pessoal de vigilância está sujeito ao regime geral de uso e porte de arma e que, em serviço, só é permitido, se autorizado por escrito pela entidade patronal e por período definido, renovável, mas que pode ser revogado a qualquer momento, fosse estendido ao pessoal de transporte de valores, responsabilizando assim a empresa por essa autorização, e não permitindo a posse e proliferação de armas de fogo nas empresas de segurança privada, impedindo a remota possibilidade da criação de pequenos exércitos às ordens do “patrão”.
Compreendia sim, a pretensão de maior colaboração e parceria das autoridades policiais nas operações de maior risco, pois é a eles que compete o combate ao crime e possível detenção dos criminosos.
Para finalizar, é curioso que um dos exemplos que tenha sido utilizado tenha sido o dos nossos vizinhos espanhóis, mas querem comparar um vigilante juramentado de Espanha (pois só estes podem usar arma e em condições muito restritas) com o nosso atual vigilante?
E porque não outros exemplos, como os do Norte da Europa e do Reino Unido, onde cada vez mais se utilizam vigilantes desarmados, mas devidamente equipados com meios de proteção individual? Os meios utilizados custam muito dinheiro? Pois custam.
Autor: Antonio Silveira Malheiro - Consultor/ formador de Segurança Integrada
Fonte: http://www.revistaseguranca.com/
Publicado: http://segurancaprivadadobrasil.blogspot.com
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